terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Quem pagará o enterro e as flores

Se eu me morrer de amores?

Quem, dentre amigos, tão amigo

Para estar no caixão comigo?

Quem, em meio ao funeral

Dirá de mim: — Nunca fez mal...

Quem, bêbado, chorará em voz alta

De não me ter trazido nada?

Quem virá despetalar pétalas

No meu túmulo de poeta?

Quem jogará timidamente

Na terra um grão de semente?

Quem elevará o olhar covarde

Até a estrela da tarde?

Quem me dirá palavras mágicas

Capazes de empalidecer o mármore?

Quem, oculta em véus escuros

Se crucificará nos muros?

Quem, macerada de desgosto

Sorrirá: — Rei morto, rei posto...

Quantas, debruçadas sobre o báratro

Sentirão as dores do parto?

Qual a que, branca de receio

Tocará o botão do seio?

Quem, louca, se jogará de bruços

A soluçar tantos soluços

Que há de despertar receios?

Quantos, os maxilares contraídos

O sangue a pulsar nas cicatrizes

Dirão: — Foi um doido amigo...

Quem, criança, olhando a terra

Ao ver movimentar-se um verme

Observará um ar de critério?

Quem, em circunstância oficial

Há de propor meu pedestal?

Quais os que, vindos da montanha

Terão circunspecção tamanha

Que eu hei de rir branco de cal?

Qual a que, o rosto sulcado de vento

Lançara um punhado de sal

Na minha cova de cimento?

Quem cantará canções de amigo

No dia do meu funeral?

Qual a que não estará presente

Por motivo circunstancial?

Quem cravará no seio duro

Uma lâmina enferrujada?

Quem, em seu verbo inconsútil

Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.

Qual o amigo que a sós consigo

Pensará: — Não há de ser nada...

Quem será a estranha figura

A um tronco de árvore encostada

Com um olhar frio e um ar de dúvida?

Quem se abraçará comigo

Que terá de ser arrancada?

Quem vai pagar o enterro e as flores

Se eu me morrer de amores?

Rio, 1950

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